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Quase Sessenta, mas nem Aparenta!


Surpreendo-me com meu filho, hoje aos 28 anos, a comentar que já atingiu quase metade de sua vida útil.
Um tipo de consciência que não tinha nesta idade.
Lembro-me de que, aos 25 anos, quando meu pai comentava “há 30 anos atrás...”, eu achava graça por dentro e não entendia que a passagem do tempo se dava de forma mais perceptível do que imaginava.
Hoje, aos 58, entendendo o que significa “há trinta anos atrás”: quando minha primeira filha nasceu.
Mas foi ontem, exclamo!
O ontem distante da minha juventude, hoje é presença constante na memória que ainda se mantém pautada nos caminhos da lucidez.


Quase sessenta e comentam: nem aparenta!


Fico assustada, desconfiada com o que vem pela frente, consequência das visitas ao Hotel Geriátrico onde instalei uma aparentada distante, quase 87, com graves sequelas de uma osteoporose não tratada. Hoje cadeirante, lúcida, viúva, sem filhos ou qualquer alicerce emocional. Totalmente dependente.
Além de administradora de sua vida, passo por sobrinha, referencial de família que lhe restou.
E comporto-me como tal.
Cuidadoras, remédios, médicos, fisioterapeutas sob minha responsabilidade, cadastramentos, bancos, fraldas, complementos vitamínicos para que, na mais que perfeita terceira idade, tenha total e absoluta dignidade.
E as mães, pais, avós, praticamente abandonados, cujos parentes não tão abonados, só aparecem numa festa eventual?
Os olhares que pedem um afago; mãe e filha que dividem um quarto demenciadas pelo Alzheimer; gritos e gemidos que demandam atenção: extrema solidão!
 

Quase 60, mas comentam: nem aparenta!
02 09 2011

Texto publicado na Antologia Poemas à Flor da Pele, ano 5, volume 2, Editora Somar, Porto Alegre 2012

 

Rosângela de Souza Goldoni
Enviado por Rosângela de Souza Goldoni em 03/09/2011
Alterado em 07/01/2013
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